Quebrando as Barreiras Culturais

Há um acontecimento em minha vida que eu nunca esquecerei. Foi uma cerimônia de casamento de uma família considerada da casta mais baixa da sociedade indiana, os intocáveis. Eles eram muito pobres. Quando eu tinha pouco mais de 20 anos de idade, eu trabalhava nas favelas com as crianças dessas famílias, e elas me amavam.

Eu ouvi falar que o irmão de uma das crianças ia se casar. Então, perguntei ao menino:

– Seu irmão vai se casar?

– Sim – ele respondeu.

– E você não me convidou para o casamento?

– Você iria? – ele perguntou.

Eu respondi:

– Você não me convidou, então, como eu poderia ir?

Depois de eu ter dito isso, o pai do menino veio me ver no dia seguinte. Com muita humildade, ele chegou com um convite impresso. Eu era bem mais jovem do que ele e, ainda assim, ele se curvou diante de mim e falou:

– Meu filho disse que você precisa de um convite. Eu não tive coragem de convidá-lo antes, mas agora quero te entregar este convite.

Eu aceitei, mas o tempo passou e eu me esqueci completamente do casamento, por estar envolvido com outras atividades. Um dia, quando estava me preparando para voltar à cidade, um pensamento veio repentinamente à minha cabeça: “Meu Deus! Eu me esqueci do casamento? Depois de ter sido convidado daquela maneira! Se eu tiver perdido a cerimônia, terei sido muito indelicado e me comportado de maneira muito inadequada!”.

Procurei pelo convite por toda parte e, por fim, acabei o encontrando. Sabem o que eu descobri? Que a cerimônia seria naquele mesmo dia. Senti um grande alívio. Eu peguei a minha bicicleta e saí de casa sozinho. Mas, dentro de mim, havia uma luta interior. Por um lado, eu tive a coragem de sair de casa, mas, sendo sincero, preciso dizer que havia um pouco de reserva em meu coração.

Tendo nascido em uma família brahmin, o meu ego alimentava a minha resistência. Compreendendo isso, eu queria ir até lá. Eu queria quebrar esse ego, então, pedi a um dos meus amigos da faculdade que fosse comigo.

– Você quer ir a uma festa de casamento? – eu disse.

– Onde? – ele perguntou.

– Se estiver interessado, apenas venha.

Então, ele perguntou:

– Você vai?

– Sim – respondi.

Então, ele decidiu ir comigo.

No caminho, eu falei:

– Você sabe aonde estamos indo?

– Aonde? – ele quis saber, e eu disse de quem era o casamento.

– O quê! – ele exclamou.

Ele também era um brahmin, então, eu indaguei:

– Você ainda quer ir?

Ele respirou profundamente, parou e falou:

– Você vai mesmo?

– Sim – eu disse.

E, por me amar, ele respondeu:

– Se você vai, eu vou com você.

– Veja, se você for, terá que comer alguma coisa lá – expliquei.

– Você vai comer? – ele perguntou.

– Eu vou ao casamento; acho que devo comer alguma coisa.

Então, ele me disse:

– Se você comer, eu comerei também.

Quando chegamos ao local, centenas de pessoas da mesma casta da família estavam lá, e a grande cerimônia estava em andamento. De repente, todos se viraram. A multidão não estava mais olhando para o jovem casal, mas para nós dois. Quando eu penso nessa situação, mesmo hoje em dia, meu coração se enche de amor. Eu nunca havia visto tamanha receptividade, com todos vindo até nós com tanto amor e alegria, só porque nós tínhamos ido até lá. Não há
palavras para descrever o que eu senti.

Nós nos sentamos entre os demais convidados e, então, o jantar começou. Eles nos ofereceram algumas frutas e doces que haviam comprado no mercado. Fizeram isso porque achavam que um jovem brahmin nunca comeria a comida que viesse da cozinha deles.

– Senhor, nós trouxemos algumas frutas e doces para vocês – eles disseram.

Eu perguntei:

– Eu sou um exilado? Não faço parte de vocês? Vocês não vão me oferecer um pouco de comida e deixar que eu coma com vocês e seus convidados? – Precisei de muita coragem para dizer isso.

– Vocês vão comer com a gente? – eles questionaram.

– Sim – respondi –, mas só comida vegetariana.

Eles tinham lágrimas nos olhos enquanto eu me alimentava junto a eles. Ter superado o meu ego interior de ter nascido em uma família brahmin, a casta sacerdotal, foi uma grande vitória na minha vida.

Então, me ocorreu um dia que talvez isso não fosse o bastante. Pensei: “Por causa do casamento, eles prepararam a comida do lado de fora da casa e trouxeram um cozinheiro especial para a ocasião. Eu realmente deveria fazer uma refeição na casa deles, que tenha sido preparada pela própria mãe deles em sua própria cozinha. Por milhares de anos, as pessoas das castas inferiores pensaram que eram intocáveis e impuros. No entanto, isso não é verdade”. Então, eu estava determinado a visitá-los novamente. Ao chegar lá, pedi:

– Hoje estou faminto. Vocês poderiam me servir algo para comer? – Então, eu me sentei com eles e eles me trouxeram um pouco de comida. Eu comi tudo o que eles haviam preparado. Naquele tempo, eu não era monge, e tinha algumas reservas sobre pedir comida a outras pessoas. Hoje, sendo monge, eu não sinto mais nenhuma relutância ou hesitação em pedir comida e comer o que me for servido.

A finalidade de contar essa história é ilustrar que vivemos com os egos criados por nós mesmos, criando vaidade e orgulho dentro de nós. Pensamos que somos melhores que os outros, que somos superiores. Mas quem são essas pessoas que pensamos estar abaixo de nós? Foi exatamente esta forma de pensar que dividiu tanto o mundo.

A questão é: há muita divisão no mundo; de casta, raça, religião, gênero, situação financeira e de toda forma possível. Qual é a causa de toda essa divisão? Não culpemos os outros. Nós somos a causa da divisão. Precisamos examinar a nossa própria vida, individualmente, e avaliar se criamos alguma divisão, alguma barreira que sentimos ser danosa ou que pensamos não ser boa aos olhos de Deus. Se, ao refletirmos, percebermos que foram levantadas barreiras em nossa vida, devemos derrubá-las.

Extraído do livro: A Transformação do Coração: O Caminho de São Francisco, de Paramahamsa Prajnanananda

Um comentário

  1. Gratidão por compartilhar essa história tão comovente!🥰

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