O que É Sharira (o Corpo)?

Certa vez, vi um papagaio em uma gaiola com um espelho diante dele. O papagaio observava atentamente a sua própria imagem. Não faço ideia do quanto ele compreendia a situação, mas, sem dúvida, foi uma cena muito curiosa. Todos nós temos um corpo e desejamos que ele se mantenha saudável e tenha uma aparência bela. O gato lambe o próprio corpo, limpando a si mesmo. O cisne nada na água para se lavar. Os seres humanos têm muito orgulho do seu corpo e querem que ele esteja limpo e seja atraente. Assim, não apenas nos tornamos muito conscientes do nosso corpo, mas também nos apegamos a ele. Gostamos de ficar diante do espelho contemplando a nossa imagem. Gostamos de vestir roupas novas e ficamos contentes por nos sentirmos belos e atraentes.

Mas nós aceitamos que a mudança e o crescimento fazem parte da vida? Aceitamos que como seres vivos passamos do estágio da infância para a adolescência, para a juventude e para a fase adulta, e finalmente chegamos à velhice? Não. Queremos permanecer sempre jovens e belos; ninguém quer envelhecer ou ser chamado de velho. Nós nos esquecemos de que a expressão “velho” é comumente usada de maneira imprópria (no idioma inglês, por exemplo, usa-se a expressão How old are you?, que significa “Quão velho você é?”). Quando um bebê tem apenas algumas semanas de vida, dizemos que ele ficou algumas semanas mais velho. Usamos os termos “velho” e “envelhecer” desde o nascimento até o momento da morte. Ainda assim, quando alguém se refere a nós como uma pessoa velha, nos sentimos ofendidos.

Não gostamos de envelhecer. Quando a nossa pele começa a ficar enrugada, ficamos preocupados. Quando o nosso cabelo começa a ficar grisalho, queremos tingi-lo para que ninguém perceba que estamos envelhecendo. O mesmo acontece com o enfraquecimento dos nossos olhos, que dificulta a nossa visão, com a queda dos nossos dentes, e até mesmo com a diminuição da nossa capacidade de digerir os alimentos. Queremos sempre saborear refeições deliciosas, mesmo sabendo que não somos mais capazes de digerir alimentos pesados. Não estamos prontos para aceitar a realidade de que tudo vai passar e que nada é permanente.

Na língua portuguesa, a palavra “corpo” se refere à estrutura física de uma pessoa ou de um animal, que consiste de ossos, carne, órgãos, pele, cabelo e unhas. Em sânscrito, há muitas palavras com belos significados que descrevem o corpo. Ao compreendermos estas palavras, somos capazes de viver com um entendimento correto, com uma atitude positiva e com ações dinâmicas. Os sinônimos para a palavra corpo em sânscrito são sharira ou shariram, kalevara, vapu, samhanana, vigraha, kaya, deha, murti, tanu, kshetra, pura e bradhna. Ainda que todas elas se refiram ao corpo, elas possuem diferentes implicações. Vamos então analisar cada palavra e seu significado, e isso nos ajudará a compreender melhor os nossos corpos.

Shariram (corpo) é definido como shiryate rogadinam yat: “O corpo que se modifica e é afetado pelas doenças e pela idade avançada”. O corpo está constantemente mudando. Desde o nascimento até a morte, ele cresce, amadurece e, por fim, enfrenta a decrepitude e a velhice. Não importa o quão fortes sejamos, os nossos corpos estão sempre mudando e envelhecendo.

O corpo também é chamado de kalevaram, palavra composta por kalam e virya (sêmen) e vara (o melhor). O corpo é o resultado da união de um homem e uma mulher. O resultado dessa união é como o melhor presente na forma de um corpo. Kalevaram também pode ser compreendida como uma palavra que deriva do verbo kal, que significa “amar e ter afeição”, “assumir” e “falar docemente”. O corpo nos é dado para que possamos amar, ter afeição e falar docemente com todos.

Vapu (corpo) é definido como upyante dehantara bhogasadhana bijibhutani karmanyaceti: “A maneira de passar de uma vida para outra na forma de uma semente”. O corpo é um presente de Deus, usado para exaurir o nosso karma ou realizar desejos não concretizados. Também deriva do verbo vap, que significa “plantar”. O corpo é o campo onde os frutos das sementes do karma são colhidos e também onde novas sementes cármicas são plantadas.

Outro nome para o corpo é samhanana, que representa um instrumento que pode ser usado para ferir ou para ajudar outras pessoas. Samhanana deriva do verbo han (samhanyate iti) e significa “ferir” ou “golpear,” ou “dar um golpe duro”. Devemos ser muito cuidadosos para sempre usarmos o nosso corpo para servir a todos e para destruirmos o karma negativo das nossas vidas passadas através de boas ações. No entanto, a maioria das pessoas se ocupa em ferir os outros, sem nenhuma consideração ou cuidado.

Vigraha é outra palavra usada para se referir ao corpo, significando “forma”, “imagem”, “guerra” ou “hostilidade”. É também um dos nomes do Senhor Shiva. O corpo pode ser usado para realizar a divindade ou para criar conflitos. Vigraha deriva do verbo grah (aceitar, receber e tomar). Palavra definida como vividham sukhaduhkhadikan grinhnati iti: “O corpo aceita diferentes prazeres na forma de alegria e tristeza”.

O corpo também é chamado de kaya, palavra composta pelo verbo chi, que significa “coletar, juntar e acumular”. É definido como chiyate asmin asthyadikam: “O corpo é um conjunto de ossos e outras coisas”. Num conceito anatômico, o corpo não é mais do que um conjunto de ossos, medula, carne, gordura, pele, cabelos e assim por diante. O Sábio Ashtavakra descreveu o corpo como uma bolsa de couro, e São Francisco de Assis referiu-se a ele como um jumento. Quando falam sobre o corpo, os iogues descrevem ao mesmo tempo os corpos denso, astral e causal. Eles dizem que acumulamos impressões, desejos e sonhos, e viajamos de uma vida para outra com estes karmas acumulados. Muitos não sabem que as misérias da vida são o resultado das ações erradas cometidas em vidas passadas, e que esta vida é uma preparação para a próxima. A cada momento criamos o nosso futuro.

Outro belo nome para o corpo é deha, que pode ser compreendido de duas maneiras: uma é pelo verbo dih, que significa “ungir”, “aumentar” e “corromper” (degdhi pratidinam). Devemos cuidar do corpo diariamente para limpá-lo das impurezas externas. O outro significado deriva do verbo dah, que significa “perturbar”, “queimar” ou “consumir”. O corpo cria dor e problemas de muitas maneiras. Ao morrer, o corpo geralmente é enterrado ou consumido pelo fogo. Amamos o nosso corpo, mas nos esquecemos do seu fim inevitável.

O corpo também é chamado de murti, que significa “forma”, “figura”, “encarnação” e “corpo”. Esta palavra deriva do verbo murchh, que significa “desmaiar” ou “ser iludido”. A forma do nosso corpo cria muita ilusão e nos faz esquecer de quem somos.

Tanu é outro nome para o corpo, composto pelo verbo tan, que significa “espalhar”, “expandir” e “cobrir”. Os corpos, assim como qualquer outro ser, como as árvores ou os animais, têm a tendência de procriar e espalhar a si mesmos em diversas formas. O corpo é uma cobertura que esconde o Ser infinito.

A palavra sânscrita kshetram possui muitos significados, como “corpo”, “campo”, “local sagrado”, “esposa” e “terra”. Deriva do verbo kshi, que significa “viver”, “decair” e “diminuir”. Assim, o corpo (kshetra) é o que possibilita a vida humana. Sendo o campo de ação, ele deve ser cultivado através dos órgãos dos sentidos e da mente.

A palavra puram se refere a “corpo”, “cidade”, “prostíbulo” ou “lugar sagrado” e é definida em sânscrito como priyate puryate iti: “Aquele que é muito querido, está cheio e encoberto” (o verbo pur significa “encher”, “encobrir”, “executar” e “satisfazer”). O corpo pode nos ajudar a realizar o objetivo da vida. Sem compreendermos o valor do corpo, que é completamente temporário e não dura por muito tempo, as pessoas desperdiçam a oportunidade de usá-lo para alcançar o grande objetivo da vida; ao invés disso, se ocupam com coisas inúteis.

O último nome para a palavra corpo é bradhna, que significa “aquele que prende”, derivando do verbo bandh, que significa “amarrar” ou “conter”. O corpo é um cativeiro. Ele nos prende às nossas famílias e ao mundo, mas, ao mesmo tempo, impede que façamos muitas coisas, restringindo as nossas ações, para que, desse modo, possamos crescer.

O corpo está passando continuamente por mudanças e modificações. O corpo é um templo, mas quase ninguém conhece o seu valor. Pouquíssimas pessoas vão até o seu interior e veneram o Espírito interior, o Senhor que está inalando e exalando através de nós, fazendo com que continuemos vivos e ativos. O corpo está conosco agora, mas não permanecerá por muito tempo. O lugar final para o corpo é o crematório ou o cemitério.

Apesar de o ser humano, em essência, ser uma alma fazendo uso de um corpo, as pessoas pensam que são o próprio corpo. O corpo está em constante mudança e morrerá; ainda assim, as pessoas acreditam que terão seus corpos para sempre. Com um olhar reflexivo, podemos perceber que a vida mortal passará, mas a vida espiritual continuará.

Extraído do livro: Isso Também Vai Passar, de Paramahamsa Prajnanananda

2 comentários

  1. O texto nós leva a um caleidoscópio mental onde consegue retratar várias nuanças e oportunidades do corpo, positivas e negativa.
    Que instrumento maravilhoso o Criador nos colocou em estado de espírito para o nosso desenvolvimento.

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