O Mistério da Vida e da Morte

Desde os seus primórdios, a humanidade se defronta com o problema da morte e, por isso, tem refletido sobre o mistério da vida e da morte. Nascemos para trabalhar nosso karma. Aquilo que plantamos, colhemos. A corrente que nos prende à roda da vida e da morte é a lei do karma. O karma nos prende, mas também pode nos libertar. O karma só é escravidão enquanto nos prendemos ao mundo transitório dos sentidos. No momento em que nos voltamos para o eterno, o karma nos liberta.

Quando observamos o mundo à nossa volta, percebemos que algumas pessoas nascem ricas, saudáveis e inteligentes, enquanto outros nascem pobres, ignorantes e doentes. Aquele que pensa naturalmente pondera sobre essa aparente injustiça e costuma questionar a existência de uma providência toda misericordiosa e benevolente. No entanto, é um absurdo culpar Deus por nossa miséria e infelicidade. Quantos de nós seguimos os ensinamentos das escrituras em pensamento, palavras e ações?

Nós mesmos nos tornamos a causa das misérias quando violamos as leis de Deus. Deus apenas observa, deixando que suas leis confiram a justiça. Krishna diz na Gita (9:29): “Assim como o Senhor, se estou igualmente presente em todos os seres não há ninguém odiável ou querido para mim”. Deus permanece desapegado em todos os seres na forma da alma. Por ter dado a todos os seres humanos o livre-arbítrio, Ele nos deixa escrever o nosso próprio destino. Assim fazemos e ficamos presos à corrente do karma, que trabalhamos lenta e dolorosamente de nascimento em nascimento. Se não houve nascimento anterior e se cada efeito tem uma causa por trás dele, o que faz, então, com que uma pessoa nasça inválida ou com problemas mentais? São as ações passadas que nos fazem ser o que somos e fazer aquilo que fazemos.

Os biólogos propõem a teoria da hereditariedade e afirmam que ela explica satisfatoriamente os seres humanos. Se a hereditariedade fosse tudo, como se explicaria o fato de os filhos dos mesmos pais apresentarem uma diferença tão grande de temperamento, caráter, inteligência etc.? Por que, da mesma forma, os filhos dos mesmos pais, criados no mesmo ambiente, não possuem personalidades idênticas?

Julian Huxlei atribui o nascimento de um gênio ou deficiente mental ao acaso ou “acidente de nascimento”. Mas não há tal coisa como casualidade no universo. Tudo é bem regulado e segue leis. Nada é acidental neste mundo, nem imprevisível. Vemos tudo isso ao nosso redor. É apenas o acaso que faz uma maçã cair no chão? Ignorar um fato não significa que ele não exista. Apenas a lei do karma explica por que cada indivíduo é o que é. Nada acontece sem uma causa. Causa e efeito se correspondem um ao outro.

Nem hereditariedade, nem meio ambiente – nem mesmo a interação entre os dois – pode explicar esses fatos da vida. Um processo físico pode produzir apenas um efeito físico, nada mais. Somente o corpo e a mente de uma pessoa podem ser atribuídos à hereditariedade e ao ambiente. Temos que buscar em algum outro lugar uma explicação para a personalidade do indivíduo. Somente quando aceitamos a doutrina da reencarnação é que obtemos uma explicação para tudo o que faz de uma pessoa o que ela é. Apenas quando a pessoa entende o que ela é e o porquê, pode mudar sua vida e seu destino. Ao conhecer seu karma, ela pode dominar o karma.

Karma significa ação física e mental. Toda ação deixa sua impressão na mente subconsciente e possui um efeito bom ou ruim na vida da pessoa. As impressões das ações de vidas passadas são armazenadas no superconsciente e germinam sob a ação de um meio apropriado. Elas constituem o ambiente interior, que, juntamente com o ambiente exterior, governa as ações da pessoa. O karma é dividido em três categorias – sanchita, prarabdha e kriyamana. Samchita é o karma de nossas vidas passadas, armazenado no mesencéfalo. Este karma ainda não frutificou. Prarabdha são os karmas de nossas vidas passadas que determinaram a nossa vida presente. Kriyamana é o karma que acumulamos nesta vida e que frutificará em vidas futuras.

Quando a pessoa perde seu ego e para de se identificar com suas ações, elas param de escravizá-lo. A solução não é a inércia, mas o desapego. Isso cancela a lei do karma e nos liberta. A vida de um kriya iogue não é guiada por ações passadas, mas pela direção de sua alma interior. O aspirante rapidamente alcança o objetivo, evitando o caminho de uma evolução casual baseada em seu karma, libertando-se da vida e da morte.

O problema da morte não é realmente um mistério. A verdade é que não há diferença entre a vida e a morte. Na realidade, nada está morto. Assim como os átomos na matéria inanimada − como os metais − estão em movimento contínuo e vibram rapidamente, da mesma forma os átomos na carne de um cadáver estão em movimento contínuo e têm vibração rápida. Diferentes formas de matéria são a manifestação da mesma força vital, assim como o gelo, a água, a neve e o vapor são manifestações diferentes da mesma substância. Toda matéria, incluindo a inanimada
e os corpos mortos, é a manifestação da vida. Como Gurudev Paramahamsa Yoganandaji diz: “A vida dorme na terra bruta, sonha belamente nas flores, acorda com força nos animais e no homem possui consciência de possibilidades infinitas”.

No nascimento, algo ingressa no mundo, enquanto na morte algo vai embora. Este algo é o tema de todas as religiões, e elas têm tentado prová-lo com algumas respostas. As pessoas estão imensamente interessadas neste “algo”. As ações de nascimentos anteriores produzem o caráter dos indivíduos, conduzindo-os a novas ações, que, por sua vez, ajudam a favorecer a evolução. Esse processo termina em libertação, o destino de todos os seres vivos. A pessoa nasce de acordo com seu karma. Quando as posições planetárias estão em conformidade com o seu karma, o corpo sutil entra no útero da mãe e se põe a produzir o corpo denso. No tempo certo, o bebê nasce.

O indivíduo passa por vários estágios na vida e acumula experiências e impressões de suas ações no subconsciente. Tão logo o prarabdha karma, que causou o nascimento, se exaure, o corpo astral se separa do corpo físico. Esse fenômeno é chamado de morte. Na realidade, porém, é apenas a separação de dois corpos.

O que indica a vida ou a morte é a presença ou ausência do prana (o ar vital, comumente chamado de respiração). A ausência do prana interrompe o funcionamento do coração. Então, quando a respiração e o bater do coração cessam, a pessoa morre. No entanto, um iogue realizado pode controlar conscientemente os dois e permanecer em absoluto estado de tranquilidade, ou samadhi, conquistando o controle sobre a vida e a morte, que significa a iluminação. Quando o iogue não depende mais da respiração e do coração para existir, o conhecimento mais elevado desperta nele. Ele não teme mais a morte, pois a morte significa libertar-se da prisão – a liberação.

Na morte, a alma encarnada move-se de um lugar para outro. A morte em si pode ser dolorosa ou pacífica, de acordo com o karma do indivíduo. Se o indivíduo alcançou o estado de separação consciente entre a alma e o corpo ao longo de sua vida, a morte não guarda dor para ele. Ele vai saber com antecedência quando seu prarabdha karma vai se extinguir. Quando chega o momento, ele deixa conscientemente o mundo. Isso, no entanto, somente pode ser alcançado com a prática regular e sincera da meditação.

A morte não é o fim do indivíduo, assim como o nascimento não é o começo. O que é então a morte? A morte significa que a alma, juntamente com seu corpo sutil, que abrange a mente com todas as suas impressões, deixa o corpo denso. Essas impressões se tornam as sementes do futuro nascimento. É principalmente o último pensamento de um indivíduo que decide seu futuro nascimento. Os últimos pensamentos são moldados pelos desejos predominantes de sua vida. Portanto, os desejos são as raízes do nascimento e da morte. Ao destruirmos os desejos, combatemos as raízes do karma e escapamos do ciclo de nascimento e morte. No entanto, isso só é possível através da meditação sincera.

A Gita (2:71) diz claramente: “Aquele que abre mão de todos os desejos e está livre de todos os apegos, egoísmo e sede de prazeres alcança a paz”. Tal é o estado de uma alma realizada em Deus. Ao alcançarmos esse estado, vencemos a ilusão. Permanecendo estabelecidos nesse estado, mesmo no último momento, alcançamos a bem-aventurança de Brahman. Quando um indivíduo toma consciência da imortalidade da alma, alcança a libertação. O ciclo de nascimento e morte cessa para esse indivíduo em particular. Assim, é responsabilidade de cada um alcançar a libertação com a graça de Deus e daqueles já libertos.

Como Deus é infinito, as almas corporificadas (jivas), de acordo com as escrituras hindus, são também infinitas. Uma jiva passa por 8.400.000 de úteros antes de alcançar a libertação. Entre essas passagens, 400.000 nascimentos são em úteros humanos. Quando alcançamos o nascimento humano devemos agir com sensibilidade, usando de discriminação para conhecer a vontade de Deus. Assim, pela prática da meditação desenvolvemos a intuição e aceleramos a evolução em apenas um nascimento.

Extraído do livro: Kriya Yoga, de Paramahamsa Hariharananda

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