Crise de Identidade

Era uma vez, um humilde pastor que passava longos dias cuidando do seu rebanho de ovelhas. Todas as manhãs, ele acordava cedo e levava as ovelhas para pastar em uma montanha verdejante. Os animais andavam livremente e pastavam sem pressa.

Um dia o pastor e suas ovelhas não perceberam a aproximação de uma tigresa que estava grávida. Ela não comia há dias e seu corpo, antes robusto, encontrava-se agora definhado e fraco. Temendo por sua vida e pela de seus filhotes, ela precisava encontrar alimento antes que tivesse um triste fim.

De repente, ela avistou as ovelhas a uma certa distância. Com fome e determinação selvagem, ela correu com toda sua força, saltou bem alto e caiu no meio do rebanho. Imediatamente, as ovelhas gritaram de medo, “mééé! mééé! mééé!”

O rebanho se dispersou em todas as direções de maneira desenfreada, correndo de um lado para o outro. Entretanto, na tentativa desesperada de escapar, nenhuma ovelha percebeu que, pelo estágio avançado da sua gravidez, ao cair no chão, a tigresa deu à luz um filhote, morrendo momentos depois.

Você deve saber que animais recém-nascidos não abrem os olhos nos primeiros dias de vida. Deitado na grama alta, de olhos fechados, o pequeno tigre gritou desesperadamente por carinho e alimento. O pastor ouviu o choro, correu para ver o que estava acontecendo e encontrou o filhote ao lado do corpo da mãe. Com seu bastão, cuidadosamente, tocou nela para confirmar
que estava morta.

O pastor era um homem solidário. Seu coração foi tocado ao ver o filhote órfão. Ele gentilmente o embrulhou em um pedaço de tecido, carregou-o até sua casa, pegou um pouco de leite das ovelhas e o alimentou. Lentamente, por meio do amoroso cuidado do gentil pastor, o jovem tigre cresceu feliz na companhia das ovelhas.

Como a primeira coisa que o filhote viu quando abriu os olhos foram as ovelhas, ele começou a imitá-las. Ao observá-las andando, correndo e pulando com as quatro patas, ele fez o mesmo. Como um cordeiro, o jovem tigre adorava brincar e pular no pasto. Todos os dias, o pastor o alimentava com leite de ovelha e ele pastava no campo com o resto do rebanho.

Por ser vegetariano, o corpo dele estava magro e franzino e, não, robusto e musculoso como o de outros filhotes de tigre. Na verdade, ele estava bem contente vivendo como um cordeiro, pois era tudo o que ele sabia fazer. Ele até falava a língua das ovelhas, fazendo o som de “mééé! mééé! mééé!”

Um dia, enquanto andavam pelo pasto, as ovelhas não perceberam um novo perigo ao seu redor. Dessa vez um grande tigre procurando por comida no vale esperava pacientemente o melhor momento para atacar. Contudo ele notou algo extraordinário e mal podia acreditar em seus olhos. “Um filhote de tigre pastando no campo como uma ovelha? Será possível?”, pensou ele.

Então ele avançou em direção ao rebanho com muita rapidez. Assim como antes, as ovelhas assustadas berraram e começaram a se espalhar por todas as direções. O poderoso tigre poderia facilmente ter atacado uma vítima, saciado sua fome e seguido seu caminho, mas ele parou por um momento e pensou: “o que devo fazer? Matar as ovelhas ou levar esse filhote para longe do rebanho?” Decidido a seguir sua intuição, ele pegou o filhote pelo pescoço e o carregou pela floresta.

O filhote tinha certeza de que seria morto, então começou a tremer e a chorar. No entanto, seu choro apenas irritou o grande tigre que olhou profundamente em seus olhos e disse: “meu filho,
o que você está fazendo?”

“Eu sou uma ovelha, senhor!”, respondeu o filhote com doçura.

O tigre rugiu:

“O que você está falando? Você não é uma ovelha, é um tigre!”

“Não, isso não é verdade! Por que você está me dizendo isso?”, lamentou o filhote. “Eu sei o que sou: um filhote de ovelha, não de tigre.”

“Meu filho, você é um tigre!”

“Eu sou um cordeiro! Por favor, pare de me torturar! Leve-me de volta para o rebanho. Quero voltar para a minha família.” Então ele começou a chorar descontroladamente.

Nesse momento, o tigre percebeu que o filhote realmente tinha um problema. Ele disse: “veja, meu filho, eu estou dizendo que você é um tigre, não uma ovelha. Na verdade, você deveria comer as ovelhas e, não, achar que é uma delas”. Esse comentário só fez com que o filhote ficasse com mais medo ainda. Depois de uma pausa, o grande tigre decidiu que só havia uma solução: ensinar o filhote a agir como tigre. Então ele capturou e matou um pequeno animal, estirou-o no chão em frente ao filhote e o instruiu a lamber o sangue e a comer a carne. “Isso é o que comem os tigres. Essa é a sua comida!”, rugiu o grande tigre.

Mas o pequeno filhote não obedeceu, pois ele nunca havia comido carne ou sangue antes. Senhor, por favor, não me obrigue a comer isso. Eu sou vegetariano. Ovelhas não comem carne nem bebem sangue.”

“Coma!”, ordenou o grande tigre.

“Não posso! Isso não é comida de ovelha!”

O tigre estava perplexo. Ele pensou: “nada do que estou fazendo parece funcionar. Como posso ajudá-lo a compreender a verdade?” Então, ele teve uma ideia. Levou o filhote até a beira de um lago e o sentou em sua margem. Com a voz calma, ele disse: “meu filho, com certeza, você sabe como se parece uma ovelha.”

“Sim, elas são minha família e amigos. Eu as vejo todos os dias.”

“Você já viu o seu próprio rosto? Olhe para o lago e observe o seu reflexo na água.”

Dessa vez o filhote obedeceu e ficou perplexo com o que viu. O tigre perguntou:

“Diga-me, o seu rosto parece com o de uma ovelha?”

“Não, ele parece diferente.”

“Agora olhe para o meu reflexo na água. Não parecemos iguais?”

“É, realmente somos parecidos, mas você é muito poderoso e forte e eu sou dócil como uma ovelha. Então, isso deve significar que eu sou uma ovelha.”

O tigre suspirou e disse:

“Venha comigo e coma a comida que eu lhe dei.”

Mais uma vez, o filhote se recusou a comer. Mas, dessa vez, o grande tigre ordenou:

“Coma! Coma!”

Pensando que seria melhor obedecer, o filhote lentamente começou a lamber a carne.

Uma lambida, depois outra, depois outra e rapidamente o medo do filhote se transformou em alegria, como o seu grande amigo havia imaginado.

“Que delícia!”, exclamou o filhote enquanto devorava sua refeição com alegria. Depois de comer cada pedaço da comida, ele esticou suas patas dianteiras e rugiu estrondosamente. O grande tigre sorriu com encanto e perguntou: “quem é você?”

“Eu sou um tigre!”, declarou orgulhosamente o filhote.

Muitas vezes, não conhecemos a nossa verdadeira identidade. Vivemos com base em ideias preconcebidas e imaginação. Somos condicionados social e mentalmente. Não pensamos de maneira independente e racional, usando nossa capacidade de discernir entre o real e o irreal, entre o certo e o errado. É comum que nossas suposições e afirmações mudem com o passar do tempo.

Extraído do livro: Entendendo o Ego, de Paramahamsa Prajnanananda

Um comentário

  1. Excelente ensinamento, a comparação é certeira! Cabe a nós discernir!

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