História de Dois Pássaros
Devido à ignorância, as pessoas adotam uma consciência subjetiva (sentimento de eu) em relação ao corpo e ao ambiente à sua volta. Esse “sentimento de eu” é chamado de ego. Por outro lado, a alma é essencialmente espírito – sempre-existente, sempre-consciente, sempre bem-aventuradamente novo. A Gita ensina que, assim como o nascer do sol dissipa a escuridão, o conhecimento da alma extingue toda a ilusão.
Esse fato é comentado no Mundaka Upanishad (3:1:1) através da imagem de dois pássaros: dois belos pássaros vivem na mesma árvore – um em um galho perto do topo e o outro em um galho
mais baixo. O pássaro pousado no galho mais baixo se ocupa provando os frutos da árvore, enquanto o de cima meramente observa, mantendo-se calmo e majestoso, absorto em sua própria glória.
Quando o primeiro pássaro ocasionalmente prova frutos amargos, ele pula para um galho mais alto e percebe o desapego do outro pássaro, que não se interessa nem pelos frutos doces nem pelos amargos. Está satisfeito em si mesmo, e não busca nada além. O primeiro pássaro tenta chegar perto do segundo, mas, quando pula para um galho mais alto, por hábito começa de novo a provar os frutos do galho. Mais uma vez, ele prova um fruto amargo e olha para cima, observando a autossatisfação do segundo pássaro.
Outra vez, pula para um galho acima e, mais uma vez, começa, pela força do hábito, a provar os frutos desse galho. E assim vai pulando mais e mais alto, até que chega perto do segundo pássaro. Então, a luminosidade das plumas do segundo pássaro se reflete no primeiro, e as plumas deste começam a derreter. Quando o primeiro pássaro, finalmente, alcança o galho no qual o segundo está pousado, toda a sua visão muda, e ele descobre que era o segundo pássaro o tempo todo. A aparente dualidade existiu somente porque ele tinha abandonado a sua verdadeira alma pelos frutos da árvore. Seu ser anterior era apenas um reflexo distorcido da sua verdadeira alma.
Tal é a natureza do homem. Ele busca a satisfação dos sentidos nos variados prazeres do mundo. Como o primeiro pássaro, ele vive para os frutos doces do mundo, os prazeres dos sentidos.
Entretanto, quando ocasionalmente experimenta um fruto amargo, na forma de golpes do mundo dos sentidos ele começa um processo de autoexame e tem um vislumbre de sua majestosa e verdadeira alma. Mas, como os velhos hábitos são difíceis de morrer, mais uma vez ele se perde no mundo dos sentidos. Golpes repetidos, no entanto, fazem com que retorne para seu mundo interior em busca de felicidade. Por fim, ele descobre a alma que está presente em tudo e é a essência de todas as coisas. Deus é revelado, e ele mergulha no oceano da bem-aventurança, livre de todos os seus apegos.
A alma não é vista pelos olhos, não é reconhecida pela mente nem pelos outros sentidos. Não pode ser realizada pela penitência ou por bons atos. Não é revelada pelo estudo dos Vedas, ou
pelo intelecto, ou por estudos em geral. Nem pode ser realizada por alguém desprovido de força moral ou que tenha medo de sacrifício. Somente quando a natureza pessoal se purifica pela
luz do conhecimento, a alma é revelada em toda a sua glória através da meditação. Então, a pessoa funde-se na consciência de Brahman e se estabelece na alma.
Isto é união absoluta (yoga), que é o mesmo que liberdade absoluta (kaivalya). O indivíduo sabe que todas as suas faculdades alcançaram a realização e que atingiu o conhecimento perfeito.
Ele vivencia o estado onde nada resta a ser feito, nenhum desejo resta a ser realizado. A Gita também descreve esse estado, no qual, quando atingido, todo o universo parece ínfimo. Quando a pessoa tem a visão interior da alma através da percepção e da experiência direta do Absoluto, sente um prazer inexprimível penetrando todo o seu sistema. Uma sensação de expansão e plenitude é observada em cada dimensão de seu ser. O contato com o Absoluto torna a pessoa plena e perfeita. Essa experiência direta é o único critério para se alcançar o conhecimento verdadeiro.
A Bhagavad Gita ensina que Brahman é harmonia perfeita. A sensação de apego surge devido à ignorância da verdadeira natureza da alma. Porém, pelo conhecimento discriminativo, a alma pode ser realizada. Quando nossos olhos, cegos pela ideia da matéria, são abertos para a suprema luz do conhecimento, veem que nada é inanimado. Tudo é uma manifestação de Brahman, o qual é prana (vida), manas (mente), vijñana (conhecimento), ananda (bem-aventurança), chit (força divina) e sat (ser). O mundo inteiro, e cada objeto, foi criado como uma morada do Senhor. Realização significa a habilidade de vê-lo em todos os eventos, ações, pensamentos, em nossa própria alma e na dos outros, através da criação. Isso acontece porque Deus se manifesta em todos os lugares. Ele pode ser comparado a um círculo cujo centro está em todos os lugares, com sua circunferência em lugar nenhum.
Profundo… atingir esse estágio de despojamento é nosso objetivo…
Texto maravilhoso e inspirador! Gratidão Gurudev!